quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A dor da responsabilidade

Manhã de chuva, ela havia saído de casa pra comprar qualquer coisa pra sua mãe – era aniversário da velha – e ele saíra para trabalhar como em qualquer outro dia comum. Quando a chuva começou, ambos se protegeram da chuva embaixo da mesma padaria velha do bairro. Apesar de ser um bairro pequeno, eles nunca tinham se visto. Sentiu vontade de falar com ele, mas não arriscou. O outro ainda abriu a boca, mas desistiu. A chuva passou os dois seguiram seus caminhos. Ela conseguiu o presente: um perfume barato, estava sem emprego. Ele recebeu a péssima notícia: estava demitido. Procurar trabalho era tudo o que ele não queria.

Os dias iam passando e esses encontros casuais sempre aconteciam. Ele já até havia arrumado outro emprego, até que tomou coragem e convidou a garota para sair. Foram ver um filme. Ele fez questão de pagar a entrada dela. Não aconteceram beijos, nem abraços apertados. Eles se trataram com a mesma frieza daqueles dias de chuva. Conversaram um pouco e marcaram de sair outro dia. Quase sempre eram programas leves, como cinemas, barzinhos, parques. E isso tudo foi crescendo a cada dia, sem que os dois percebessem. Nunca um deles olhou para dentro de si e se perguntou o que realmente sentia pelo outro. Se era só amizade, se era amor. Se havia desejo. Eles realmente não sabiam, não pensavam nisso. Ignoravam. Esse pensamento era inevitável, algum dia um dos dois iria pensar.

O pior aconteceu: ele pensou primeiro. E pensou ser amor aquilo o que sentia. Sua decisão estava tomada: iria contar para ela, pedir para namorar, serem um casalzinho feliz. Casar, ter filhos, morrerem velhinhos e juntos. Mas as linhas da vida não são tão simples assim.

Enquanto ele tomava coragem para contar, cada encontro era uma tortura. Às vezes ele até fugia, inventava uma desculpa. Um dor de dente, uma falta de dinheiro, uma doença pra mãe. Qualquer coisa. Estar com aquela garota e não poder tocá-la como mulher era uma tortura para ele. Aquela amizade não fazia mais sentido algum na cabeça dele.

– Tenho uma coisa pra te falar.
– Fala...
– Na verdade, eu não sei nem por onde começar. Mas eu acho que você deve perceber alguma coisa estranha em mim nessas últimas semanas.
– Sim, percebi mesmo. O que aconteceu? Posso te ajudar?
– Pode. Mas antes eu tenho que falar tudo o que eu sinto pra você... por você... é tudo muito confuso ainda na minha cabeça. Quero falar isso tudo de uma vez. É que eu te... eu te amo... é isso, eu quero ficar do teu lado, mas não como amigo, não suporto mais essa amizade. Estar com você se tornaria uma tortura pra mim se eu continuasse assim, só amigo.

Ela ficou sem reação, não tinha nem mesmo o que dizer. O silêncio se estendeu entre eles por uns cinco minutos, até que ela falou.

– Você não vai querer mais falar comigo se eu não quiser namorar você?
– Não, não vou suportar te ver e não te ter.
– Entendo... Acho que eu também agiria assim no seu lugar. Mas o problema é que nunca me vi te beijando. Sendo sua namorada. Para mim você não passa de uma pessoa muito querida. Nada mais que isso. Não consigo te ver além disso.
– Tudo bem. Você pode pensar o tempo que quiser. Mas não quero te ver enquanto isso.

E assim os dois se despediram. Cada um com uma lágrima escorrendo no canto do olho. A falta que um fazia ao outro era muito grande, cada um sentia isso a seu modo. O garoto sentia a falta do que nunca teve: os beijos e as carícias de mulher dela. Ela sentiria falta do que sempre teve: a amizade e o companheirismo do rapaz. E tudo isso era muito complexo para aquelas duas mentes jovens que apenas estavam começando a descobrir a vida.

Na cabeça dela é que ficaram os pensamentos, as dúvidas. Na dele tudo estava muito claro: ele só queria retomar tudo se fosse de outro modo, sob outras regras, com um novo formato, uma nova relação. Para ela era tudo novo ali. Aquela condição egoísta dele de só estar com ela sendo namorado, aquele sentimento tão grande que ele dizia sentir, as lágrimas e até a separação dos dois por um tempo impreciso, talvez infinito. Ela só sentia a vontade de protelar essa decisão, pois sabia que iria dizer não. Mesmo que isso doesse muito aos dois.

E assim o tempo ia passando. Ele ia ficando cada dia mais magoado pela ausência dela e da sua decisão. Essa maldita decisão emperrava sua vida. Se ela ao menos dissesse não ele poderia seguir a vida e começar a pensar em esquecer, em amornar esse amor. Mas ela não respondia e fugia todas as vezes que ele a procurava. Quando se viam na rua, ela corria. Ela tomava até chuva, mas não entrava no mesmo lugar onde ele estava se abrigando da chuva. Se ela era egoísta por não responder logo a resposta que já tinha; ele, por outro lado, era egoísta por chantagear a garota, por achar que, apesar de não amá-lo, ela iria se sacrificar e ficar com ele por ser mais pesada do que o sacrifício a ausência dele na vida dela. Não pensava um só segundo no bem estar de quem dizia amar.

Quando ela disse não, ele começou a chorar. Negou o amor três vezes como Pedro fez com Cristo. Mas não adiantava chorar ou negar, o amor estava ali. Era a causa do ódio, era a causa da separação. O amor era tudo isso e muito mais. Se o amor era bom ele sequer poderia saber, pois nunca tinha experimentado. Talvez algum dia ele pudesse aprender que o amor é um coquetel de sentimentos, que o amor tem muito do ódio, da paixão, da fúria, do companheirismo, do tesão, do desejo, da amizade... Antes dessa descoberta ninguém está preparado para amar, nem para ser amado.
[Vinicius Falcão]

2 Comments:

Anônimo said...

Hello. This post is likeable, and your blog is very interesting, congratulations :-). I will add in my blogroll =). If possible gives a last there on my blog, it is about the Celulite, I hope you enjoy. The address is http://eliminando-a-celulite.blogspot.com. A hug.

Ananda said...

oi. um pouco desse texto me lembrou eu e vc.. eheheh.. estou impressionada com teus textos.. aH, como eles são teatrais! ler sozinho é bomn.. pode-se ler em voz alta.. e sentir acontecer.. seus sonhos, seus desejos.. desculpa se estou intrometento.. mas acontece que você escreveu feito uma garota de 15 anos.. que fala e a gente entende... pode-se reproduzir e fazer coisas fantásticas com esses textos..