VINICIUS FALCÃO OLVEIRA CARNEIRO
O DESFAZIMENTO DO HUMANO
Este projeto será entregue na disciplina, ministrada pela professora Eliana Sales Paiva, de Monografia I, sendo requisito obrigatório à obtenção do título de bacharel em Filosofia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará).
Orientador (?)
FORTALEZA – CE
2008
“O rosto constrói o muro do qual o significante necessita para ricochetear, constitui o muro do significante, o quadro ou a tela. O rosto escava o buraco de que a subjetivação necessita para atravessar, constitui o buraco negro da subjetividade como consciência ou paixão, a câmera, o terceiro olho”
(Gilles Deleuze e Félix Guattari)
INTRODUÇÃO
Como pensar uma construção coletiva e individual ao mesmo tempo? Como pensar um agenciamento de fluxos diversos, de pessoas diversas, porém de forma solitária? Como construir essas pulsões rizomáticas dentro de um mundo permeado por neuroses paralisantes, tédios frustrantes e por conflitos extasiantes? São essas inquietações desejantes que me impulsionam a escrever sobre a desconstrução da humanidade. Desconstruo a humanidade com um projeto, porém sem ter outro projeto para colocar em seu lugar. Não quero devolver ao mundo outro conjunto de normas, mapeamentos e territorializações, como é o ser humano e o humanismo. Não tenho a resposta para estas inquietações. Estas inquietações não permitem respostas. Não é no mar da resposta onde elas deságuam, mas no mar das experiências de vida, dos fluxos desejantes. Por isso, abro uma questão e antecipadamente digo que meu objetivo não é responder tais questionamentos, mas tentar estabelecer forças e agenciamentos que os permeiam, abrir todo o corpo desses questionamentos, expondo seu funcionamento, porém sem falar o que é ou o que não é pertinente, sem formar uma cartilha com esses fluxos, pois se trata de uma experimentação e não de uma direção. Só assim, traindo minhas inquietações, é que posso ser fiel a elas, evitar trapaceá-las. Fazer um jogo de perguntas e respostas seria incorrer na própria raiz do problema que levanto. A questão não é apontar a resposta ao problema, mas tentar mostrar que a única resposta que não nos interessa é aquela que fecha a questão, compreendendo todo o conteúdo da pergunta, pois isso incorreria numa rede de mostrar somente dois lados da mesma moeda: territórios, mapas e forças coercivas destruidoras de afetos bons: tudo do que quero me afastar.
A proposta é ousada, nesse sentido, não se trata de uma cartilha, pois não me proponho a trocar de lugar com tudo que critico. Em outro sentido, o que quero é fazer com que soltem as amarras que travam a possibilidade real de viver, a criação, é fazer com que seja possível sentir, mesmo dentro dessas prisões que sei haver no meio onde vivo, uma brecha para desejar nessa cela que o mundo me deu. A grande vontade de experimentação é o que me leva trilhar por este caminho espinhento e, ao mesmo tempo, prazeroso, a fim de buscar a construção de como viver só, porém sem estar livre dos diálogos e das afetações (que não necessariamente e quase nunca, na verdade, são afetações pessoais). É uma força que leva ao riso ante às coisas mais terríveis e faz com que a busca por experimentações nômades se concretize. É o riso-esquizo, o riso que trai o próprio riso, porque trai a própria palavra e as significações usuais do ato próprio de rir. Trair o riso com o próprio riso e a palavra com o riso, desterritorializar o prazer que o riso traz.
O grande desafio a que me proponho é falar de assuntos que permeiam de um modo muito próximo as nossas vidas, das primeiras afetações que sentimos ao suspiro fatal, e não pensar nas esferas inalcançáveis do Absoluto. Por isso a proposta de uma vida só; de perguntar mais do que responder; de abrir portas e destruir palácios inabitados, mais do que construir castelos ideais impenetráveis. Por isso a proposta consiste num diálogo incessante com fluxos diversos, dispersos, diferentes do conjunto significativo e normatizado chamado humano, humanismo. O filósofo tem sido “o homem que constrói um castelo e habita, envergonhado, uma choupana”. As filosofias não têm servido nem para abrir uma lata de sardinha com a validade vencida, o homem racional queda falho todos os dias ante sua impotência criativa. É preciso um grito louco, um riso-esquizo, um delírio lúbrico, um agenciamento com as tribos do deserto da solidão que guardamos dentro de nós mesmos para quebrar estas afetações tristes em que somos afogados. É preciso um agenciamento fora-dentro, um encontro com forças de fluxos diferentes de corpos, rostos, caras e bocas. Coisas como um buraco na parede, um pedaço de papel, um sonho ou um desenho sem significado aparente.
Talvez se houver alguma possibilidade de responder ao questionamento que trato de fazer neste trabalho, esta resposta seja: construir um corpo-sem-órgãos. E a "resposta" é esta porque não podemos chegar a isto, não podemos dizer que temos um, mas sempre estamos a caminho dele. É preciso que nós saibamos construir o nosso corpo-sem-órgãos, é preciso que saibamos trilhar este caminho, pois ninguém mais pode trilhá-lo por nós. A necessidade de desfazer o "eu" trata-se da descoberta que o "eu" não existe. Entre cada uma das “faculdades do eu-puro” há um delírio que foge à linha pré-determinada, é justamente esta fuga entre os pontos que faz com que eles se liguem. Os fatos são sempre muito mais caóticos do que imaginamos, é por isso que somos "um-outro", um "eu-outro", um "eu-expandido", não comprimido e afirmado em si mesmo. É preciso saber fazer o próprio corpo, órgão por órgão, pois hoje somos dominados não mais pelo poder repressor das bombas de efeito moral, das torturas e das pancadas, mas, principalmente, por meio de mecanismos muito mais sutis e imperceptíveis que permeiam nosso corpo – e, por isso mesmo, muito mais eficientes –, mecanismos que, acreditamos, estão fazendo um "bem" para nós. Nesse sentido, o corpo é pura política, e é por isso que devemos descobrir o corpo afirmando nele não uma paralisia estática de funções orgânicas, mas uma multiplicidade de significados, traçando linhas de fuga do poder que é exercido sobre o corpo, escapando dessas armadilhas invisíveis criadas para dominar o corpo. É preciso então tirar todo o conjunto de códigos autoritariamente estabelecidos em torno do corpo, o rosto, o pênis, a bunda, o umbigo, o saco escrotal e até as células sexuais, é preciso recriar tudo, sem mexer em nada, somente na estrutura de significância: pensar com a barriga, mijar com o pé, falar com os ouvidos, cheirar com os olhos e ver com a boca. Assim o corpo-sem-órgãos é extremamente estético - enquanto processo eternamente contínuo de criação de um corpo; e político - enquanto projeto de desmecanização e autonomização corporal. O corpo-sem-órgãos é necessário porque o pensamento, os sentimentos e os sentidos funcionam como um conjunto completamente integrado, as experiências deles influenciam e, em certo sentido, determinam as manifestações um do outro. Este corpo-sem-órgãos, portanto, não nega os órgãos, mas, sim, a organicidade deles, o modo como estão dispostos; o corpo-sem-órgãos é o modo pelo qual o desejo consegue desejar – também não é a forma que o desejo tem para encontrar o prazer, pois não há uma relação de falta aqui –; o corpo-sem-órgãos é uma "máquina desejante", ele não é um organismo, um sistema; é muito mais que isso que achamos, o corpo-sem-órgãos é um fluxo de intensidades desejantes que pulsam.
JUSTIFICATIVA
Ao me debruçar sobre esta temática, tento mostrar um problema que urge, tento faze com que boa parte de suas linhas sejam expostas – pois a todo momento novas linhas são criadas e, ainda que fossem estáticas e quantificáveis, ocuparia espaço maior que uma monografia, ademais não são somente destas linhas que vou me ocupar – e que, por via de conseqüência a necessidade de superar a humanidade seja explicitada.
A história da humanidade, desde os primórdios até nossos dias, foi a história da fraqueza. E a fraqueza aqui não é a falta de força bruta, mas sim a capacidade de ser por si mesmo, sem precisar introjetar entidades metafísicas (reificar) para garantir sua própria existência. No começo, esta reificação era feita através dos Totens – deuses que representavam forças da natureza –, o tempo passou e hoje nós talvez tenhamos dois grandiosos fetiches, um menor e outro maior (por ser o criador do menor): o menor é o dinheiro, que representa duas coisas ao mesmo tempo: o valor-trabalho e o capital (dinheiro que “cria” mais dinheiro); o segundo fetiche (o maior) é a própria humanidade, enquanto houver humanos haverá fetiche, pois a humanidade necessita amplamente desde “fora” para se reconhecer, assim, enquanto estivermos presos à humanidade ainda estaremos sem autonomia para criar, ainda estaremos copiando modelos pré-estabelecidos, pois nós mesmo já seremos um modelo pré-estabelecido: o homem. É o homem e não o dinheiro o nosso “alvo” para uma transformação possível, é o humanismo e não o capitalismo o “modo de produção” (de subjetividades em massa) que devemos atacar, porque o homem e o humanismo criaram os Totens, os Deuses, o Dinheiro, o Capitalismo e o próprio Humanismo. Chega de combater a conseqüência, devemos nos preocupar mais com a causa, com a raiz desta grande árvore poder. Vamos fazer rizomas.
Dessa forma, o rompimento não deve ser feito pelo viés econométrico – ainda que ele também seja indesejável –, mas, sim, pela perspectiva estética, criativa. É por uma vida mais leve e mais criativa que lutamos, é contra as formas de vida enlatadas, pré-aquecidas, vendidas no super-mercado que luto.
Portanto, me proponho a pensar uma tentativa de libertação das castas de poder, que hoje é micro e não macro, que já não mais se manifesta nas torturas com choques elétricos, ou nos apedrejamentos em praça pública, mas, justamente nessas formas de vida enlatadas que são vendidas, o poder penetra nas vidas de forma sutil, se estabelece tentando causar prazer e não dor, o poder não é mais proibitivo, hoje o poder é sedutor, convence através de afagos, beijos e abraços, não através de cacetetes. O poder já não se personifica, ele é fetiche, ele está no seu melhor amigo, na sua mãe, no seu pai, nos seus professores, muitas vezes ele é você mesmo! O poder é uma teia de aranha grandiosa que perpassa nossas vidas desde a idade mais baixa até a hora de nossa morte.
Se essa dominação existe, se chegou a tal ponto que todos somos opressões e oprimidos todo o tempo, o tempo todo, parece então não haver uma saída, ora, mas se conseguimos perceber isto – seja na forma que for – então há sim uma saída, a superação da humanidade, porém esta saúda não tem uma fórmula mágica, uma receita de bola capaz de dizer como faze-lo. Se o questionamento é justamente no sentido de quebrar tudo o que vem de fora como imposição de modelos de vida, esta superação deve ser feita de modo singular, a partir de uma criação estética, de um modelo de vida próprio, a partir de um fluxo de desejos que apenas desejam desejar e não mais o prazer. Não é mais no binômio falta-saciedade que este desejo se fundamenta, porque se isso assim ocorresse novamente seríamos escravos de modos de vida fora de nós, este desejo se realiza no próprio ato desejante, não no prazer autoritário, assassino do desejo. Para mostrar melhor este caminho até a superação da humanidade vou dialogar com alguns autores que vislumbram possibilidades inumanas com um enfoque estético e que por isso mesmo influenciaram uns aos outros em ordem cronológica. Começo por um escritor russo chamado Fiódor Dostoiévski que, apesar de ter uma obra extremamente voltada para o humano, de ter um projeto de concertar a humanidade, tem uma grandiosa riqueza nos personagens que criou, não no que faz com eles no final dos livros, mas no que são enquanto pura autonomia desejantes. Raskolnikov, um desses personagens, por se considerar um homem superior (uma “casta” que ele inventa e que engloba pessoas como Napoleão Bonaparte e César) mata uma velha usurária para ficar com seu dinheiro já que passava por uma situação financeira péssima. Há também, em outro livro – Os Demônios – do escritor russo um personagem de nome Kirílov. Este influenciou diretamente a Nietzsche com o homem-idéia (o super-homem de Nietzsche), Vou usar Dostoiévski para mostrar a moral, para mostrar o último homem de Nietzsche este conceito usada para designar aqueles humanos que irão tentar concertar a humanidade, que tentarão a todo custo elaborar um projeto ainda humano, ainda preocupado em afirmar-se enquanto gênero, enquanto unidade primeiro capítulo se desenvolve e é encerrado.
Depois vem uma “overdose” de Nietzsche em uma leitura sobre a superação da moral e toda a inversão que foi feita pela moral cristã, que inverteu o forte e o fraco para o bom e o mal. É “para além do bem e do mal” que tento encaminhar a discussão, a moral também é um entrave no processo estético de criação pois determina um padrão de comportamento, um modo de ser, a moral é típica de humanidade, é preciso superar o mundo moral e pensar para além, pensar numa possibilidade ética, mas não ética no sentido moral, e sim no sentido estético de uma vida criativa. A luta aqui é bem maior que uma simples negação da moral, pois isso ainda seria por demais reativo, ainda estaria na dependência vital de um fora, esta dependência mantem a reificação desejante do fetiche que se baseia na máquina binária desejo-prazer, ainda se baseia no conceito de imoralidade. Tento trazer uma superação da moral, que sai do campo binário do fora vital que sustenta a estrutura desejante inconveniente, para tanto é necessária uma visão amoral, só assim podemos superar a moral. Devemos então dizer que o corpo pode tudo aquilo que conseguir executar e que nada que não seja a própria impossibilidade corporal deve limitar a vontade do corpo.
Por último, tento mostrar o resultado maior da pesquiza sobre o corpo, o corpo-sem-órgãos, um conceito criado pelo teatrólogo Antonin Artaud e desenvolvido por Deleuze e Guattarri. O CsO (corpo-sem-órgãos) é o resultado não da negação dos órgãos, mas, sim, da organicidade, do organismo como um todo. É a tentativa de criar livremente as funções de cada órgão para que os desejos possam ser cada vez mais facilitados, mais desejados. Construir um corpo-sem-órgãos é deixar que o desejo possa desejar pelas simples vontade de desejar, o CsO é uma intensidade, um conjunto de fluxos, de afetos criativos, negando a moral que busca o prazer, que nega a criatividade, puramente reativa.
O DESFAZIMENTO DO HUMANO
Este projeto será entregue na disciplina, ministrada pela professora Eliana Sales Paiva, de Monografia I, sendo requisito obrigatório à obtenção do título de bacharel em Filosofia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará).
Orientador (?)
FORTALEZA – CE
2008
“O rosto constrói o muro do qual o significante necessita para ricochetear, constitui o muro do significante, o quadro ou a tela. O rosto escava o buraco de que a subjetivação necessita para atravessar, constitui o buraco negro da subjetividade como consciência ou paixão, a câmera, o terceiro olho”
(Gilles Deleuze e Félix Guattari)
INTRODUÇÃO
Como pensar uma construção coletiva e individual ao mesmo tempo? Como pensar um agenciamento de fluxos diversos, de pessoas diversas, porém de forma solitária? Como construir essas pulsões rizomáticas dentro de um mundo permeado por neuroses paralisantes, tédios frustrantes e por conflitos extasiantes? São essas inquietações desejantes que me impulsionam a escrever sobre a desconstrução da humanidade. Desconstruo a humanidade com um projeto, porém sem ter outro projeto para colocar em seu lugar. Não quero devolver ao mundo outro conjunto de normas, mapeamentos e territorializações, como é o ser humano e o humanismo. Não tenho a resposta para estas inquietações. Estas inquietações não permitem respostas. Não é no mar da resposta onde elas deságuam, mas no mar das experiências de vida, dos fluxos desejantes. Por isso, abro uma questão e antecipadamente digo que meu objetivo não é responder tais questionamentos, mas tentar estabelecer forças e agenciamentos que os permeiam, abrir todo o corpo desses questionamentos, expondo seu funcionamento, porém sem falar o que é ou o que não é pertinente, sem formar uma cartilha com esses fluxos, pois se trata de uma experimentação e não de uma direção. Só assim, traindo minhas inquietações, é que posso ser fiel a elas, evitar trapaceá-las. Fazer um jogo de perguntas e respostas seria incorrer na própria raiz do problema que levanto. A questão não é apontar a resposta ao problema, mas tentar mostrar que a única resposta que não nos interessa é aquela que fecha a questão, compreendendo todo o conteúdo da pergunta, pois isso incorreria numa rede de mostrar somente dois lados da mesma moeda: territórios, mapas e forças coercivas destruidoras de afetos bons: tudo do que quero me afastar.
A proposta é ousada, nesse sentido, não se trata de uma cartilha, pois não me proponho a trocar de lugar com tudo que critico. Em outro sentido, o que quero é fazer com que soltem as amarras que travam a possibilidade real de viver, a criação, é fazer com que seja possível sentir, mesmo dentro dessas prisões que sei haver no meio onde vivo, uma brecha para desejar nessa cela que o mundo me deu. A grande vontade de experimentação é o que me leva trilhar por este caminho espinhento e, ao mesmo tempo, prazeroso, a fim de buscar a construção de como viver só, porém sem estar livre dos diálogos e das afetações (que não necessariamente e quase nunca, na verdade, são afetações pessoais). É uma força que leva ao riso ante às coisas mais terríveis e faz com que a busca por experimentações nômades se concretize. É o riso-esquizo, o riso que trai o próprio riso, porque trai a própria palavra e as significações usuais do ato próprio de rir. Trair o riso com o próprio riso e a palavra com o riso, desterritorializar o prazer que o riso traz.
O grande desafio a que me proponho é falar de assuntos que permeiam de um modo muito próximo as nossas vidas, das primeiras afetações que sentimos ao suspiro fatal, e não pensar nas esferas inalcançáveis do Absoluto. Por isso a proposta de uma vida só; de perguntar mais do que responder; de abrir portas e destruir palácios inabitados, mais do que construir castelos ideais impenetráveis. Por isso a proposta consiste num diálogo incessante com fluxos diversos, dispersos, diferentes do conjunto significativo e normatizado chamado humano, humanismo. O filósofo tem sido “o homem que constrói um castelo e habita, envergonhado, uma choupana”. As filosofias não têm servido nem para abrir uma lata de sardinha com a validade vencida, o homem racional queda falho todos os dias ante sua impotência criativa. É preciso um grito louco, um riso-esquizo, um delírio lúbrico, um agenciamento com as tribos do deserto da solidão que guardamos dentro de nós mesmos para quebrar estas afetações tristes em que somos afogados. É preciso um agenciamento fora-dentro, um encontro com forças de fluxos diferentes de corpos, rostos, caras e bocas. Coisas como um buraco na parede, um pedaço de papel, um sonho ou um desenho sem significado aparente.
Talvez se houver alguma possibilidade de responder ao questionamento que trato de fazer neste trabalho, esta resposta seja: construir um corpo-sem-órgãos. E a "resposta" é esta porque não podemos chegar a isto, não podemos dizer que temos um, mas sempre estamos a caminho dele. É preciso que nós saibamos construir o nosso corpo-sem-órgãos, é preciso que saibamos trilhar este caminho, pois ninguém mais pode trilhá-lo por nós. A necessidade de desfazer o "eu" trata-se da descoberta que o "eu" não existe. Entre cada uma das “faculdades do eu-puro” há um delírio que foge à linha pré-determinada, é justamente esta fuga entre os pontos que faz com que eles se liguem. Os fatos são sempre muito mais caóticos do que imaginamos, é por isso que somos "um-outro", um "eu-outro", um "eu-expandido", não comprimido e afirmado em si mesmo. É preciso saber fazer o próprio corpo, órgão por órgão, pois hoje somos dominados não mais pelo poder repressor das bombas de efeito moral, das torturas e das pancadas, mas, principalmente, por meio de mecanismos muito mais sutis e imperceptíveis que permeiam nosso corpo – e, por isso mesmo, muito mais eficientes –, mecanismos que, acreditamos, estão fazendo um "bem" para nós. Nesse sentido, o corpo é pura política, e é por isso que devemos descobrir o corpo afirmando nele não uma paralisia estática de funções orgânicas, mas uma multiplicidade de significados, traçando linhas de fuga do poder que é exercido sobre o corpo, escapando dessas armadilhas invisíveis criadas para dominar o corpo. É preciso então tirar todo o conjunto de códigos autoritariamente estabelecidos em torno do corpo, o rosto, o pênis, a bunda, o umbigo, o saco escrotal e até as células sexuais, é preciso recriar tudo, sem mexer em nada, somente na estrutura de significância: pensar com a barriga, mijar com o pé, falar com os ouvidos, cheirar com os olhos e ver com a boca. Assim o corpo-sem-órgãos é extremamente estético - enquanto processo eternamente contínuo de criação de um corpo; e político - enquanto projeto de desmecanização e autonomização corporal. O corpo-sem-órgãos é necessário porque o pensamento, os sentimentos e os sentidos funcionam como um conjunto completamente integrado, as experiências deles influenciam e, em certo sentido, determinam as manifestações um do outro. Este corpo-sem-órgãos, portanto, não nega os órgãos, mas, sim, a organicidade deles, o modo como estão dispostos; o corpo-sem-órgãos é o modo pelo qual o desejo consegue desejar – também não é a forma que o desejo tem para encontrar o prazer, pois não há uma relação de falta aqui –; o corpo-sem-órgãos é uma "máquina desejante", ele não é um organismo, um sistema; é muito mais que isso que achamos, o corpo-sem-órgãos é um fluxo de intensidades desejantes que pulsam.
JUSTIFICATIVA
Ao me debruçar sobre esta temática, tento mostrar um problema que urge, tento faze com que boa parte de suas linhas sejam expostas – pois a todo momento novas linhas são criadas e, ainda que fossem estáticas e quantificáveis, ocuparia espaço maior que uma monografia, ademais não são somente destas linhas que vou me ocupar – e que, por via de conseqüência a necessidade de superar a humanidade seja explicitada.
A história da humanidade, desde os primórdios até nossos dias, foi a história da fraqueza. E a fraqueza aqui não é a falta de força bruta, mas sim a capacidade de ser por si mesmo, sem precisar introjetar entidades metafísicas (reificar) para garantir sua própria existência. No começo, esta reificação era feita através dos Totens – deuses que representavam forças da natureza –, o tempo passou e hoje nós talvez tenhamos dois grandiosos fetiches, um menor e outro maior (por ser o criador do menor): o menor é o dinheiro, que representa duas coisas ao mesmo tempo: o valor-trabalho e o capital (dinheiro que “cria” mais dinheiro); o segundo fetiche (o maior) é a própria humanidade, enquanto houver humanos haverá fetiche, pois a humanidade necessita amplamente desde “fora” para se reconhecer, assim, enquanto estivermos presos à humanidade ainda estaremos sem autonomia para criar, ainda estaremos copiando modelos pré-estabelecidos, pois nós mesmo já seremos um modelo pré-estabelecido: o homem. É o homem e não o dinheiro o nosso “alvo” para uma transformação possível, é o humanismo e não o capitalismo o “modo de produção” (de subjetividades em massa) que devemos atacar, porque o homem e o humanismo criaram os Totens, os Deuses, o Dinheiro, o Capitalismo e o próprio Humanismo. Chega de combater a conseqüência, devemos nos preocupar mais com a causa, com a raiz desta grande árvore poder. Vamos fazer rizomas.
Dessa forma, o rompimento não deve ser feito pelo viés econométrico – ainda que ele também seja indesejável –, mas, sim, pela perspectiva estética, criativa. É por uma vida mais leve e mais criativa que lutamos, é contra as formas de vida enlatadas, pré-aquecidas, vendidas no super-mercado que luto.
Portanto, me proponho a pensar uma tentativa de libertação das castas de poder, que hoje é micro e não macro, que já não mais se manifesta nas torturas com choques elétricos, ou nos apedrejamentos em praça pública, mas, justamente nessas formas de vida enlatadas que são vendidas, o poder penetra nas vidas de forma sutil, se estabelece tentando causar prazer e não dor, o poder não é mais proibitivo, hoje o poder é sedutor, convence através de afagos, beijos e abraços, não através de cacetetes. O poder já não se personifica, ele é fetiche, ele está no seu melhor amigo, na sua mãe, no seu pai, nos seus professores, muitas vezes ele é você mesmo! O poder é uma teia de aranha grandiosa que perpassa nossas vidas desde a idade mais baixa até a hora de nossa morte.
Se essa dominação existe, se chegou a tal ponto que todos somos opressões e oprimidos todo o tempo, o tempo todo, parece então não haver uma saída, ora, mas se conseguimos perceber isto – seja na forma que for – então há sim uma saída, a superação da humanidade, porém esta saúda não tem uma fórmula mágica, uma receita de bola capaz de dizer como faze-lo. Se o questionamento é justamente no sentido de quebrar tudo o que vem de fora como imposição de modelos de vida, esta superação deve ser feita de modo singular, a partir de uma criação estética, de um modelo de vida próprio, a partir de um fluxo de desejos que apenas desejam desejar e não mais o prazer. Não é mais no binômio falta-saciedade que este desejo se fundamenta, porque se isso assim ocorresse novamente seríamos escravos de modos de vida fora de nós, este desejo se realiza no próprio ato desejante, não no prazer autoritário, assassino do desejo. Para mostrar melhor este caminho até a superação da humanidade vou dialogar com alguns autores que vislumbram possibilidades inumanas com um enfoque estético e que por isso mesmo influenciaram uns aos outros em ordem cronológica. Começo por um escritor russo chamado Fiódor Dostoiévski que, apesar de ter uma obra extremamente voltada para o humano, de ter um projeto de concertar a humanidade, tem uma grandiosa riqueza nos personagens que criou, não no que faz com eles no final dos livros, mas no que são enquanto pura autonomia desejantes. Raskolnikov, um desses personagens, por se considerar um homem superior (uma “casta” que ele inventa e que engloba pessoas como Napoleão Bonaparte e César) mata uma velha usurária para ficar com seu dinheiro já que passava por uma situação financeira péssima. Há também, em outro livro – Os Demônios – do escritor russo um personagem de nome Kirílov. Este influenciou diretamente a Nietzsche com o homem-idéia (o super-homem de Nietzsche), Vou usar Dostoiévski para mostrar a moral, para mostrar o último homem de Nietzsche este conceito usada para designar aqueles humanos que irão tentar concertar a humanidade, que tentarão a todo custo elaborar um projeto ainda humano, ainda preocupado em afirmar-se enquanto gênero, enquanto unidade primeiro capítulo se desenvolve e é encerrado.
Depois vem uma “overdose” de Nietzsche em uma leitura sobre a superação da moral e toda a inversão que foi feita pela moral cristã, que inverteu o forte e o fraco para o bom e o mal. É “para além do bem e do mal” que tento encaminhar a discussão, a moral também é um entrave no processo estético de criação pois determina um padrão de comportamento, um modo de ser, a moral é típica de humanidade, é preciso superar o mundo moral e pensar para além, pensar numa possibilidade ética, mas não ética no sentido moral, e sim no sentido estético de uma vida criativa. A luta aqui é bem maior que uma simples negação da moral, pois isso ainda seria por demais reativo, ainda estaria na dependência vital de um fora, esta dependência mantem a reificação desejante do fetiche que se baseia na máquina binária desejo-prazer, ainda se baseia no conceito de imoralidade. Tento trazer uma superação da moral, que sai do campo binário do fora vital que sustenta a estrutura desejante inconveniente, para tanto é necessária uma visão amoral, só assim podemos superar a moral. Devemos então dizer que o corpo pode tudo aquilo que conseguir executar e que nada que não seja a própria impossibilidade corporal deve limitar a vontade do corpo.
Por último, tento mostrar o resultado maior da pesquiza sobre o corpo, o corpo-sem-órgãos, um conceito criado pelo teatrólogo Antonin Artaud e desenvolvido por Deleuze e Guattarri. O CsO (corpo-sem-órgãos) é o resultado não da negação dos órgãos, mas, sim, da organicidade, do organismo como um todo. É a tentativa de criar livremente as funções de cada órgão para que os desejos possam ser cada vez mais facilitados, mais desejados. Construir um corpo-sem-órgãos é deixar que o desejo possa desejar pelas simples vontade de desejar, o CsO é uma intensidade, um conjunto de fluxos, de afetos criativos, negando a moral que busca o prazer, que nega a criatividade, puramente reativa.
OBJETIVOS
Objetivos gerais: com este trabalho pretendo tentar, num grande diálogo com alguns autores, mostrar em que termos a humanidade – a personificação de todos os gêneros – atrapalha a autonomia e é reprodutora de costumes.
Objetivos específicos:
*Mostrar a necessidade da superação dos gêneros e da humanidade – o maior de todos os gêneros – como única possibilidade para alcançar uma autonomia estética de vida.
*Apresentar o conceito nietzschano de último-homem e mostrar o homem moderno como sua personificação.
*Apresentar uma ética da amoralidade como “solução” para a superação da humanidade.
Mostrar o conceito de corpo-sem-órgãos como superação às possibilidades binárias – prazer-desejo – de satisfação.
METOLODOGIA
Objetivos gerais: com este trabalho pretendo tentar, num grande diálogo com alguns autores, mostrar em que termos a humanidade – a personificação de todos os gêneros – atrapalha a autonomia e é reprodutora de costumes.
Objetivos específicos:
*Mostrar a necessidade da superação dos gêneros e da humanidade – o maior de todos os gêneros – como única possibilidade para alcançar uma autonomia estética de vida.
*Apresentar o conceito nietzschano de último-homem e mostrar o homem moderno como sua personificação.
*Apresentar uma ética da amoralidade como “solução” para a superação da humanidade.
Mostrar o conceito de corpo-sem-órgãos como superação às possibilidades binárias – prazer-desejo – de satisfação.
METOLODOGIA
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